48 vagas de garagem somente no mais alto edifício da União Européia !
Posted by Fred Rangel Comment |
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mar
Londres inaugurou no fim do ano passado o maior edifício da União Europeia com 310 metros de altura, 110 mil metros quadrados de área útil e… 48 vagas na garagem! Não, este não é o número de vagas por empresa ali instalada ou por andar. É o numero total de vagas de garagem do The Shard.
Desde a primeira divulgação do projeto, o edifício tem sido matéria de muita discussão e controvérsia principalmente pela sua altura e impacto na paisagem de prédios baixos de Londres. Até por isto é muito interessante ler a entrevista dada pelo autor do projeto, o arquiteto italiano Renzo Piano, ao jornalista Steve Rose do Guardian: Piano diz que o The Shard é sobre contar uma história diferente que tira consequências da decisão de Londres por um cinturão verde, um limite físico claro, que sinaliza à cidade que se tiver de crescer deve crescer para dentro; uma comemoração de mudanças na ideia de que o crescimento das cidades deve acontecer por mais e mais construção na periferia; Piano disse também que as 48 vagas existentes no edifício que fica quase ao lado da Estação London Bridge, um importante centro de transportes públicos, querem dizer ‘parem de andar de carro’.
A ousada entrevista do arquiteto de 74 anos é digna de quem nos seus 30 foi um dos autores do projeto (também controverso) do Centro Pompidou de Paris. Mas fica nítido que esta ousadia foi dirigida e até inspirada pelas firmes determinações de planejamento urbano de Londres. Muito diferentes das frouxas tentativas de São Paulo. Submetida à inércia administrativa e a interesses econômicos particulares, São Paulo permite a construção de condomínios com mais de 10 mil vagas de garagem em vias que não permitem fluxo de mais de mil carros por hora, transformando a retirada do carro da garagem numa seção de tortura com técnicas de congestionamento em ambiente fechado que pode durar mais de quarenta minutos. E isto só para sair da garagem e alcançar o congestionamento da via pública.
A cidade cresce desordenadamente sobre sua periferia e cidades vizinhas, posterga há várias dezenas de anos os investimentos necessários no transporte público, empurra seus pobres para áreas de risco, para periferias cada vez mais distantes e para outros municípios jogam desavergonhadamente grande parte dos esgotos nos seus rios e etc. etc. etc.
A revisão do plano diretor e as propostas da administração Haddad indicam momento propicio para pensarmos uma cidade capaz de receber com dignidade e gerar equidade e oportunidade para seus habitantes e para os milhões que virão nas próximas décadas à região metropolitana em busca de vidas melhores, mais animadas e felizes. Um requisito fundamental para isto é a melhoria radical da mobilidade e o aumento da proximidade geográfica da habitação de interesse social à oferta de emprego e às melhores regiões da cidade.
Interessante notar que vários prefeitos passados, e também Haddad, gostam da idéia da operação urbana como instrumento de intervenção. A idéia não é má, já que busca aliar duas forças fundamentais, a iniciativa privada e o governo municipal, entorno de um projeto de transformação. Mas o contexto no qual as operações urbanas têm sido utilizadas e os termos de troca utilizados não correspondem às aspirações e necessidades da cidadania e normalmente se resumem ao aumento no gabarito e na área construída versus o custeio de obras públicas pouco inspiradas – muitas para tentar facilitar o fluxo de automóveis.
Seria importante aproveitar o momento que se avizinha de revisão do Plano Diretor do município para estabelecer limites ao crescimento horizontal da mancha urbana, para criar metas de adensamento e verticalização e, também, para estabelecer requisitos de sustentabilidade radicais para a permissão da construção de mega edifícios. Uma vez beneficiados por operações urbanas, estes deveriam ser submetidos a requisitos tais como auto suficiência energética por meio do uso de fontes renováveis descentralizadas; auto suficiência hídrica por meio de captação de água de chuva com alto volume de estocagem e tratamento e reuso de efluentes de grande capacidade; prêmios em área adicional para edifícios localizados próximos à infraestrutura existente de transporte público de alta densidade com poucas vagas de garagem ou garagens somente para veículos de serviço; prêmios também para taxa de materiais reciclados utilizados na construção e para a reciclagem dos materiais descartados durante as obras; criação de habitações de interesse social em área da própria edificação ou pelo retrofit de edificações existentes nas proximidades; entre outros requisitos.
Delcio Rodrigues, físico e consultor em meio ambiente e sustentabilidade, coordena a área de consultoria do Ibope Ambiental